domingo, 28 de agosto de 2011

Menos católicos no Brasil

Número de católicos cai no Brasil, aponta estudo da FGV

Por Élcio

“Esta é uma informação que não pode passar despercebida, embora quantidade não seja sinônimo de qualidade, a queda é significativa.”

Até meados dos anos 80 na maioria das paróquias, anos 90 em algumas e em poucas nos anos 2000, a igreja era aquela do “povo” das “casas”, as pequenas comunidades tinham o seu lugar, os “leigos” se evidenciavam e eram importantes, porém, para Roma este modelo não era o mais apropriado e o Vaticano se valendo de sua mão pesada, começa a tentar calar profetas a transferir para paróquias e dioceses com menos foco, aqueles que se evidenciavam, sendo este um divisor de águas.

Na minha visão, de quem acompanha tudo de longe, o quadro na próxima década será pior, seguindo inclusive uma tendência mundial.

Com o novo papa, a missa em Latin ganha força e muitas paróquias já as adotam em seu calendário, as indulgências caíram guela a baixo daqueles que estavam em Madri no encontro mundial de Jovens muitos deles enclausurados, pois até mesmo isso é apreciado por Bento 16... A Igreja retrograda logo estará novamente, calando escritores, teólogos, religiosos, leigos e pensadores.

Ai esta, a Igreja do OBA OBA perdendo cada vez mais espaço no mundo globalizado... O modelo de Igreja romana, não cabe na “ameríndia latina”, pois a nossa realidade é outra, é maior e mais bonita...

Vejamos em nossa volta??? Nas festas de nossas comunidades, vejam bem, de nossas comunidades de base... Quantas pessoas da sua comunidade realmente participam? Quantas pessoas da sua comunidade preparam a festa? E quantos ministros de outras comunidades aparecem vestidos de branco? Quantas pessoas estão na Matriz, e esquecem de participar em suas comunidades buscando la apenas aparecer? Acredito ser muito importante refletir sobre isso...

Eu hoje, quando me perguntam sobre a qual religião pertenço, digo que sou apenas Cristão... Acredito que muitos também seguem esta mesma linha de pensamento, pois não conseguem fazer parte de uma igreja que não é do povo.



Matéria do Jornal;

O Brasil ainda é o país com maior número de católicos no mundo, mas o número vem caindo
O número de católicos continua caindo no Brasil, país que tem mais fiéis desta religião no mundo, e onde a porcentagem da população que se declara desta doutrina caiu de 73,79% em 2003 para 68,43% em 2009, segundo um estudo divulgado nesta terça-feira (23).

Apesar de o catolicismo ainda ser a religião majoritária no país, a porcentagem medida em 2009 foi a menor desde 1872, quando uma pesquisa similar mostrou que 99,72% da população brasileira era católica, segundo o estudo "Mapa das Religiões no Brasil", divulgado nesta terça-feira pela Fundação Getúlio Vargas.

A redução do número de católicos no Brasil se acentuou nos últimos 30 anos, enquanto 88,96% dos brasileiros se declarou católico em 1980, essa porcentagem caiu para 83,34% em 1991 e para 73,89% em 2000.

Evolução do catolicismo
1872 - 99,72%
1980 - 88,96%
1991 - 83,34%
2001 - 73,89%
2003 - 73,79%
2009 - 68,43%

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, que baseou seu estudo em enquetes com cerca de 200 mil pessoas, a fuga foi maior entre os jovens entre 15 e 19 anos, quando 67,5% se declararam católicos em 2009, contra 75,2% em 2003 (perda de 7,7 pontos percentuais).

Precisamente no Estado do Rio de Janeiro, segundo o estudo, a porcentagem de católicos caiu para menos da metade da população (49,83%) e as pessoas que se declaram sem religião subiu para 15,95%.

Segundo a FGV, a redução da porcentagem de católicos no Brasil coincidiu com o aumento da porcentagem de brasileiros que se declaram ateus, que subiu de 5,13% em 2003 até 6,72% em 2009.

Até o ano 2000, a redução dos católicos no país era atribuída diretamente ao crescimento dos grupos evangélicos, mas estes não registraram um crescimento de fiéis nos últimos seis anos tão elevado como o que registravam anteriormente.

Ainda de acordo com o estudo, a porcentagem de brasileiros que diz ser fiel às igrejas evangélicas tradicionais e aos novos grupos evangélicos subiu de 17,88% em 2003 até 20,23% em 2009.

Os seguidores do espiritismo se mantiveram praticamente estáveis (de 1,5% em 2003 para 1,75% em 2009), assim como os praticantes das religiões afro-brasileiras (de 0,23% para 0,35%) e das Igrejas Orientais ou asiáticas (de 0,30% para 0,31%).
Fonte: Folha de São Paulo

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Cananéia, os CARDOSO e o ARROZ de Cananéia - ano 2003

Os Cardoso e o Arroz de Cananéia/Sp

Para Itacuruçá ....

Sabemos de documento oficial de 1701, que o Domingos Cardozo, em meados do século dezessete, era morador da ilha de Itocuatiara, “ilha do marco”, e que seus descendentes, depois de ter morado algum tempo no continente, voltaram à ilha e nunca mais a deixaram. A Ilha nunca deixou de ser chamado ”do Cardoso”. A tradição desses primeiros moradores ficou guardada e hoje mantém-se na Ilha um digno representante da família, na pessoa de João Cardoso e sua pequena família, no Sítio Santa Cruz.

É certo que a família do Cardozo após tempos, deixou a ilha e se mudou para o continente e só voltou no século XIX, por herança de seus ancestrais para o sítio da Santa Cruz, nome que guarda, desde os tempos primordiais, o nome da recém ocupada Terra da Santa Cruz.


O certo é que de 1650 em diante, diversas famílias se estabeleceram na Ilha, buscando de preferência as proximidade as barra de Cananéa, talvez pela abundância de pescado nesta região.
Em tempos passados, no séc. XIX “era a Ilha do Cardoso um dos lugares mais habitados do município, não só pela fertilidade de suas terras e a abundância de peixes em todos os seus recôncavos, rios e parcéis, como também pela facilidade dos meios de transportes que eram feitos sobre água, em grandes canoas e até mesmo em lanchas e hiates. Era, então, considerada como um dos maiores celeiros do município, onde se erguiam as mais prósperas fazendas com seus engenhos de arrôs, fábricas de aguardente, olarias e até mesmo um estaleiro naval situado à entrada do canal, defronte do lugar ainda hoje conhecido por Japajá.” [António Paulino de Almeida, em: Memória histórica da Ilha do Cardoso.]

Morou na Ilha, naquela era, a família do Capitão Lourenço Rodrigues de Andrade, na face norte da ilha do Cardoso, no lugar ainda hoje conhecido pela denominação de ‘Morro do Andrade.’  No fim do século XVII, a família de Capitão Lourenço Rodrigues de Andrade mudou-se para Curitiba, como um dos primeiros povoadores.
O ARROZ tem sido, durante os séculos passados, a riqueza do povo destas bandas de Cananéia e do Vale do Ribeiro. Os bairros do interior de Cananéia sempre produziram um arroz sadio e gostoso. Regiões como Araçaúba no interior de Ariri, Taquari, ao lado do rio com o mesmo nome e os sítios ao lado oeste da Ilha do Cardoso na proximidade das águas que conduzem ao sul do município, enfim todo o município e Cananéia tem sido produtor de muito arroz de qualidade excelente para a exportação.

Importante, nesta história, é de se lembrar que todos os donos de sítios no interior tinham os seus escravos, que a água facilitava o transporte e que o porto de Cananéia, que era mundialmente conhecido desde o início da colonização européia, facilitava a exportação para outras regiões do Brasil, esp. para Rio de Janeiro e o Nordeste, e também para o exterior.

O famoso arroz de Iguape que ganhou prêmios e laureeis na Europa, vinha de toda a região sendo trazido em grandes canoas que subiam e desciam este rio Ribeiro de Iguape desde a metade do século dezessete. O arroz de Cananéia era embarcado aqui mesmo no porto na frente da cidade, um porto durante séculos elogiado com um dos melhores da Terra do Brasil, junto com o porto de Rio de Janeiro, especialmente por causa de seus cais naturais onde encostavam os navios e pela proteção do Morro de São João que protegia o local contra os ventos do sul e a correnteza das marés mais altas.

Que havia precisão de um prático para passar a barra na chegada e saída dos barcos, era algo normal em quase todos os portos. Aparício dos Santos, falecido há sete anos, era o último dos práticos que conduziam os navios para entrar e sair.
O arroz é o prato principal de nosso povo. Sem arroz, o povo caiçara não almoçou!


O preparo é um trabalho bonito: a limpeza no pilão, em uns lugares com a ajuda de monjolo mas normalmente no pilão onde a dona de casa sozinha e mais tarde com a ajuda da filha mais velha manusearam a pesada mão; a peneira para a retirada do farelo e o pó com ajuda do vento; e o farelo que era jogado numa gamela para engordar os porcos ou para as galinhas que já estavam esperando desde a primeira batida da mão, artesanato feita de canela ou peroba, no pilão.

O cozimento do arroz que era colocado na panela em cima do fogo a lenha, para estar pronto na hora da refeição e servido bem quentinho, com farinha de mandioca, junto com um parati cozido e um caldinho de pimenta ou com um pedaço de carne seca de caça, ou em tempos de carestia só o arroz com farinha ou só um ovo frito com a farinha, outro produto indispensável no cardápio de nosso povo caiçara. E novamente estavam lá esperando por perto, ao pé do banco, o cachorro e as galinhas aguardando a sua parte, porque todos ganhavam sua parte, mesmo na hora do maior aperto. Não podemos deixar de mencionar o arroz amanhecido para o café da manhã e o cuscuz de arroz para os dias de festa.
                                                      Cananéia, 1 de outubro de 2003 – Padre João Trinta




HISTÓRIA E RESISTÊNCIA - Surgimento do Povo e Cultura Caiçara

HISTÓRIA E RESISTÊNCIA - O Surgimento do Povo e da Cultura Caiçara.

Olhando os 500 anos passados, desde que os Espanhóis e Portugueses aportaram nestas terras, encontramos uma história de muito sofrimento, mas igualmente de muita coragem, amor e solidariedade.
Nas terras do atual Brasil moravam mais ou menos 5 milhões de habitantes. Os homens de Álvares Cabral não perguntaram quem eram ou como se chamavam: chamaram-nos de “Índios” e este erro ficou até agora. Em nossa região do Vale do Ribeira, moravam os Tupis e os Carijós, habitantes desde muitos milhares de anos; desde que vieram migrando a partir da Ásia, passando pelo Estreito de Bering; desde o atual Alasca, da América do Norte, descendo devagarinho em direção ao Sul, numa história de 45 mil anos.

Senhor Deus, por que nós não conhecemos esta história ?

Os Europeus logo descobriram as riquezas destas terras e começaram a tirá-las. Sequer pensaram em pedir licença ou em perguntar a quem pertenciam. Levaram o Pau Brasil até quase desaparecer e fizeram grandes lucros, nos mercados da Europa. A madeira que deu nome à nossa terra, foi o primeiro produto que roubaram, até quase desaparecer.
Descobriram um clima favorável para o cultivo da Cana de Açúcar e começaram grandes plantações. O trabalho foi feito pelos indígenas. Eles foram forçados a trabalhar para os “novos donos” e o açúcar era levado para Portugal.
Descobriram que havia Ouro nestas terras e a febre de riquezas chegou ao seu ponto alto. Não havia mais respeito por ninguém. A ordem era tirar o ouro e levá-lo para Portugal. Ouro, prata e pedras preciosas, durante dois séculos, foram os produtos mais cobiçados da região. Nas encostas da Serra do Cadeado, subindo pelo Rio das Minas em Cananéia, e nos afluentes do Rio Ribeira, na região de Iporanga e Ribeira houve muitas minerações.
Trabalho escravo, grandes canoas a remo subindo e descendo o Rio Ribeira de Iguape, os povoados de “pousadas” ao lado do rio Ribeira, os muitos quilombos afastados do rio, “bem no centro” e principalmente uma grande maioria de população negra nos bairros onde houve estas explorações, são marcas de uma história de exploração, de escravatura e de sofrimento mas também de um povo forte que soube sobreviver, gerar a próxima geração e guardar sua força e grandeza.
Meu Deus, meu Deus, por que o nosso povo sofreu tanto? E como este povo soube resistir e manter-se tão forte!
Nossa região foi a primeira a produzir este maldito produto do ouro, que foi a causa de milhões de mortes nestas terras da Santa Cruz, e em tantas outras partes do mundo.
Será que o brilho do ouro é mais bonito que o sorriso do povo, Senhor ?
Durante séculos, o Rio Ribeira e os portos de Iguape e Cananéia testemunharam a exportação das riquezas destas terras, em favor da Europa, para enriquecer o povo de lá.

A mão de obra dos indígenas “não prestava”. Estes moradores antigos não tinham como resistir à violência dos colonizadores, mas também não lhes entregaram a sua liberdade; fizeram de tudo e nos serviços, os Colonizadores substituíram-nos pelos negros trazidos da África.
Pelo menos quatro milhões de negros foram “importados” para as terras do Brasil, para fazer todos os tipos de trabalhos pesados, sob o peso da mais cruel escravidão de que a história do mundo tem conhecimento.

Os traços dos negros, no rosto de nosso povo trazem marcas de muito sofrimento, Senhor, mas continuam traços de rostos e de corpos bonitos.

 
O Arroz foi a riqueza das lavouras de nossas terras durante mais de dois séculos. Os armazéns fizeram grandes lucros e navios da Europa vinham buscar cargas de arroz, milho e farinha de mandioca nos portos de Iguape e Cananéia.
Nosso arroz era famoso, mas os pobres ficaram sempre devendo nos armazéns / até assinar um papel em que desistiram da propriedade das terras. Aí, a dívida no armazém estava perdoada. Por enquanto....



As terras da região do Vale do Ribeira sempre produziram produtos importantes: o pau brasil, a cana de açúcar, o arroz, a farinha de mandioca, o feijão, e mais tarde a banana, o chá, as verduras e as flores. Até a carne seca de caça chegou a ser produto de mercado e de exportação.
A tainha sempre “engordou” a alimentação dos sitiantes no tempo do inverno. Com menos serviço da roça, os sitiantes migraram por dois meses para a beira-mar para “pegar tainhas”, salgá-los e levá-los para casa.
A Manjuba foi descoberta pelos japoneses que souberam organizar a sua comercialização.
Meu Deus, quanta riqueza e sempre fomos um povo tão pobre!
As terras, em 1500, eram tão livres como os seus moradores: Os indígenas habitavam as terras como grande Dom de Deus. Até os dias de hoje, os indígenas gostariam de viver assim, mas o primeiro produto que foi trazido nos barcos dos colonizadores foi a ganância e para ela não existe “Dom de Deus” e nada fica seguro. Os portugueses tomaram tudo como propriedade e a primeira ação era dividir as terras em “Capitanias Hereditárias” (em 1532). A costa de Brasil foi demarcada em enormes faixas de terras, da costa para o oeste, e tudo o que estas terras continham e todos os que ali habitavam, pertenciam automaticamente aos portugueses beneficiados.Quando da Abolição da Escravatura, nada foi feito em prol dos negros que foram “postos na rua”.  Nalguns lugares, eles receberam as terras onde tinham sido escravos “porque já eram da família”. Na maioria das vezes, perderam o direito à Senzala e ficaram sem nada. Muitas fazendas foram abandonadas pelos antigos donos porque não tinham outra oferta de mão de obra, como tinha no interior do Brasil.. O governo tinha começado a atrair imigrantes para ocupar as terras e produzir, mas em nenhum instante foi pensado em ceder terras aos negros, que ficaram na mais extrema miséria. O POVO, nestes séculos, onde é que ele estava? Da História que se ensina nas escolas, não saberemos responder a esta pergunta. A escola nos ensina que os “heróis” os Bandeirantes, os grandes descobridores, aprontaram suas proezas, numas tantas histórias mal contadas. Os indígenas foram dizimados, o povo dos Carijós deixou de existir pelos anos de 1700, os Tupis desapareceram, poucos grupos sobraram, fugidos para os lugares de mais difícil acesso. Em nossa Região sobra uma Aldeia de Guaranis, na Serra de Itatins, dentro do município de Itariri. Nos rostos do povo do Vale do Ribeira, porém, são guardados os traços bonitos dos indígenas. O Povo caiçara preserva fielmente os traços marcantes dos primeiros moradores destas terras. Os Negros foram tratados, pior que os animais, até a Abolição e foram depois negados em sua existência: houve terras para os outros, mas nada para os negros.
Mais tarde, estas terras começaram a ser subdivididas em “sesmarias”, áreas de até uma légua quadrada, uma extensão de terras de até mais ou menos 1600 alqueires paulistas, sempre sem considerar os moradores antigos. Estas sesmarias foram, em nossa região registrada nos livros da Igreja, nas paróquias de Iguape e Cananéia. Oficialmente, eram terras cedidas que continuavam pertencendo ao Reino de Portugal. Em 1850, quando sempre mais gente “livre” chegou a morar aqui, sentiu-se a necessidade de “prender” as terras. A primeira Lei das Terras do Brasil, de 1850, dava o Título de Propriedade a quem tinha Sesmarias ou posse antiga e produzia em sua propriedade. Novamente, estas escrituras foram feitas pela Igreja. Nas Paróquias mais antigas da região, ainda existem os Livros das Escrituras destas terras ( livros dos anos de 1855-56). Nestes livros já se pode perceber que os ricos, os donos dos armazéns e os Coronéis, burlavam a Lei e registravam muito mais do que a Lei permitia.

Dos Portugueses pobres, que vieram para cá em busca de maior sorte, nunca se falou uma palavra sequer. Eles foram a maioria dos colonizadores e formaram imensas massas de mão de obra barata e duramente explorada.

Destes três grupos de pobres e marginalizados, formou-se o nosso povo “caiçara”, povo carinhoso, de pouca fala quando tem outros por perto, desconfiado porque aprenderam este mecanismo de defesa, povo de imenso amor aos seus filhos, trabalhando e fazendo todo tipo de artimanha para que “os filhos tenham uma vida melhor do que eles tiveram”. Os traços deste povo caiçara são impressionantes: “de cor”; traços de negros, de indígenas e de portugueses, tudo misturado; falam um português entre erudito – como tinham de aprender dos Senhores da Casa Grande para não fazer feio aos visitantes – até uma língua bem cabocla dos que só conversavam entre eles; muito ricos de arte e de sensibilidade, aprenderam mil e uma coisas para agradar aos senhores e assim sobreviver; chama atenção a sua musicalidade que tem claras origens na cultura dos Colonizadores e se enriqueceu com os ritmos africanos, sem se esquecer da música simples, repetitiva e penetrante dos indígenas.
A RESISTÊNCIA: Como estes povos sobreviveram e mantiveram as suas culturas?

Uma profunda fé no Deus da Vida, é própria tanto dos guaranis como dos negros. Esta fé, não havia como tirá-la deles.
O Senso de liberdade dos indígenas, a solidariedade e uma resistência muito forte dos negros, os fizeram sobreviver às maiores humilhações. Os portugueses pobres, parece que mais receberam do que podiam dar mas sua pertença ao mesmo grupo, ao mesmo nível econômico e a convivência, devem ter facilitado a integração no Brasil oficial; como uma das classes mais pobres, é óbvio.
Apesar da extrema pobreza e dos tratos extremamente cruéis, este povo soube se manter sem perder sua identidade e dignidade. A resistência os fortaleceu e também agora, nestes tempos de grilagens e barragens, serão capazes de se manter e de gerar as próximas gerações. O amor à vida, neste povo, é indestrutível.
Uma coisa, porém, mudou: O tempo atual e as atuais agressões contra os pobres, exigem maior organização e maiores alianças entre os pobres e atingidos. O conhecimento da história destes 500 anos, virá ao encontro desta necessidade de se organizar para o futuro.
A nossa força está na união e na organização!
O que fazemos com todos estes dados? Vieram morar aqui, na Região do Vale do Ribeira, muitos grupos de imigrantes: Alemães, Suíços, Ingleses da América do Norte, Poloneses, Libaneses, muitos Japoneses, Húngaros e muitos outros, convivendo com o nosso povo caiçara. Muitos destes não conhecem bem esse povo caiçara, chegam a desprezá-los como preguiçosos e lentos, ou pior.
Queremos conhecer melhor este nosso povo do Vale do Ribeira e a sua história.
Este povo é lento e desconfiado. Será que não tem plena razão? Ele tem um passado de 500 anos de extrema exploração e maus tratos, mas traz uma história e uma cultura muito ricas:  Do Indígena que louva a Deus “na flor da pele” e ama a liberdade do ser humano sem negociá-la. Prefere morrer a ser escravo; Do Negro que resistiu à mais dura escravatura da humanidade e continua forte, bonito, gozando a vida por todos os poros, convivendo com os outros com uma quase natural tendência para o mutirão da vida, cantando e praticando esporte como sinais de seu amor à vida. Ele continua o pobre da Nação, mas esbanja Axé, força e vitalidade;

Do Português pobre que não teve como subir a serra e subir na vida, desconfiado, brincalhão e amador da vida. Para gozar a vida é capaz de muita safadeza: quer gozar a vida porque gosta.


Este povo caiçara está pronto para fazer um passo para frente. Tem as forças para iniciar uma nova caminhada. As atuais lutas pela posse da terra, por um “Rio Ribeira livre de barragens” e a sua participação lúcida dos comitês que debatem o manejo do exuberante Meio Ambiente e a preservação da Mata Atlântica e das mananciais de água, podem ser as sementeiras para uma nova organização e uma nova etapa de libertação.
Padre João 30 (Trinta) – Cananéia - 2003














sábado, 6 de agosto de 2011

As Populações Tradicionais nas Áreas da Reserva da Biosfera


As Populações Tradicionais nas Áreas da Reserva da Biosfera.


Um Processo de Amadurecimento



Padre João Trinta - Cananéia, 19 de setembro de 1997

Texto - Pe. João 30 e fotos da População Tradicional da Região de Cananéia...





A Política Ambientalista veio para administrar a carência. De repente, o ser humano começou a se dar conta de que sua voracidade de explorar fontes consideradas inesgotáveis e invadir cada vez mais áreas ainda intactas estava trazendo grandes prejuízos para a qualidade de vida na Terra, esgotando fontes, poluindo ares, águas e terras, depredando imensas regiões do Planeta e exterminando muitas espécies de animais e plantas.



Outros grupos humanos já há mais tempo, tinham começado uma política de preservar áreas excepcionalmente bonitas e ricas em flora e fauna. Parques Nacionais, há bastante tempo atrás, foram o início de uma política de preservar áreas, excluindo-as da circulação e exploração humanas. Se quisessem guardá-las intactas para as futuras gerações, devia ser proibida a entrada dos grupos humanos, cedendo licenças somente a pesquisadores. Este modelo de parques e duma política conservacionista, herdamos do Primeiro Mundo e de modo especial dos EUA, a partir de uma tradição conquistadora e de exploração. Essa política correspondia à realidade e por isso, consegue manter-se até os dias de hoje.



Primeiramente, chama a nossa atenção que a iniciativa e a política de preservar o Meio Ambiente vieram de grupos humanos de fora das áreas, de cientistas, intelectuais e românticos. Além disso, a sua atuação baseia-se em conceitos intelectuais.



Em segundo lugar, salvo felizes exceções, o mundo da intelectualidade, até hoje, guarda uma tradição de claro desprezo pelas populações “primitivas”, cabocla, caipira e caiçara. Aurélio coloca em primeiro lugar significados negativos dessas palavras para indicar parte da população brasileira.



Não podemos, porém, negar o fato de que essa parte de nossa população, que costuma ser definida com esses nomes pejorativos, de origem antropológica, vive, desde há milênios e séculos, nessas áreas que, de trinta ou cinqüenta anos para cá, se tornaram objetos de uma política preservacionista de intelectuais da cidade e da universidade.



Não estou escrevendo esta história para denegrir os heróis que com muito sacrifício deram início à nossa Política Ambiental e à criação de Parques e demais Unidades de Conservação. Devo, porém, demonstrar de onde se origina o processo difícil de aprender a valorizar essa parte da nossa população materialmente mais pobre, mas que até hoje luta, até contra os ambientalistas, para proteger os locais onde vive há tanto tempo.


Existe um claro conflito .....


Em 1962, quando o Estado de São Paulo criou o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, o texto de Edital já colocava a questão de uma Discriminatória e a retirada da população. O primeiro equívoco foi que a Ação Discriminatória , exceto em dois ou três casos, nada tinha a ver com a população tradicional da Ilha do Cardoso . Em segundo lugar, a Polícia Florestal que tinha de proteger a Ilha, começou a perseguir a população que trabalhava na agricultura, corrijo: que trabalhava na roça, porque agricultura é o que se faz em grandes extensões de terras. Cada época de roçada e queimada, especialmente nos meses de agosto a novembro, trazia de volta o terror das multas.





O povo dos sítios com sua pequena lavoura, abandonou a Ilha e mudou-se para a cidade. De proteção ou intervenção por parte dos políticos da época em favor da população atingida, nunca se-ouviu falar. Depois de uns anos, durante o regime militar, tudo o que se fazia contra o povo, vinha sob sua sombra e quem teria coragem de levantar a voz contra os militares nessa pobre Cananéia que dependia em tudo do Estado de São Paulo e de seus poderosos governadores.








  1. Pelo Decreto Estadual 40.319, de 3/7/1962



  2. Da parte da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, de São Paulo, 19 de novembro de 1969



  3. Motivo 3º, sobre a Área, .... A maior parte dos ocupantes alega possuir título hábil, cuja validade, como é obvio, só no procedimento discriminatório poderá ser aquilatada, ....


Foi curioso que as onças desapareceram da Ilha do Cardoso e que o número dos porcos do mato e das baitacas diminuiu. Quase não se fala mais de grandes animais. O número desses animais e aves, diminuiu com o fim das roças e da grande concentração de sementes, raízes e batatas, decorrente do êxodo do povo para a cidade.



Pouquíssimos moradores ficaram morando no entorno da ilha, onde há séculos viveram da lavoura. As populações de Itacuruça, Ipanema, Camburiú, Lagem e da Restinga se mantiveram, porque, como pescadores artesanais, não viviam em primeiro lugar “da roça”. Todas as famílias sempre fizeram suas roças, anualmente, mas agora esse costume ficou duramente ameaçado. Um só morador de Camburiu se manteve como lavrador; As famílias do bairro de Lagem diminuíram as roças por medo de serem perseguidas no lugar onde queriam se manter, mesmo com duras restrições. Em Marujá, ainda uma ou duas vêzes fez-se uma roça comunitária de arroz. As mulheres de Marujá continuaram a insistir no plantio de “rama”, para fabricar sua famosa farinha de mandioca. Até que umas multas altamente ofensivas puseram medo no povo e essa cultura por ora desapareceu levando ao desaparecimento traços culturais do povo caiçara. (Vide: Anexo 5.)



Quando, no início dos anos oitenta, o Governo Federal se opôs à ação do Estado de São Paulo, que tratava a Ilha do Cardoso como ilha costeira e propriedade estadual, o povo da Ilha quase unanimamente resistiu à Carta de Aforamento que a Marinha exigia e se uniu ao Estado de São Paulo, juntando documentos no Processo da Discriminatória Estadual comprovando sua situação de posseiros de mais de cento e vinte anos. A Ilha abrigava em 1983 uma população de quase cem casas de posseiros, além de umas edificações de turistas, já tradicionais e umas invasões de gente com muito poder de barganha junto às autoridades federais.





Nos anos oitenta, mais do que nunca, a população da Ilha do Cardoso, de todos os bairros, manifestou-se em favor de sua permanência na Ilha, mesmo com restrições, mas pedindo regras claras do que fosse permitido e o que não. Durante o Governo de Franco Montoro, houve diversas insistências num tipo de “comodato” entre o governo do Estado e os moradores tradicionais. Na prática, tudo isso não deu em nada por causa do Processo sobre o domínio da Ilha, entre a União e o Estado de São Paulo.







Juridicamente, essa questão ficou resolvida em favor da União, no Art. 20, IV da Constituição Federal, de 1988. A partir desse ano, a situação sobre o domínio está esclarecida, ficando, porém, a pergunta como o Estado de São Paulo pode cuidar do Parque Estadual da Ilha do Cardoso de modo legal. Sobre esta questão, a solução definitiva está dependendo unicamente de vontade política dos dois governos, estadual e federal.



Por que tratar essa questão do domínio neste artigo sobre os moradores tradicionais? Porque essas questões caem exatamente em cima deles criando inúmeros problemas, dúvidas e medo.



O Governo, gente de fora e com muito poder, de repente, declara “Unidade de Conservação” o local onde um povo simples vive há séculos, sem perguntar nada aos moradores e conservadores reais dessa região mas intervindo radicalmente na vida da população. De repente, surgem regras e restrições; o povo se sente ameaçado, não entende como pode se defender nem tem quem o defenda.



Nos tempos passados, nos anos setenta e oitenta, a ameaça da expulsão era a dura realidade que essa população tinha de enfrentar. Os sitiantes-lavradores da Ilha do Cardoso mudaram-se para os bairros da cidade sem receber um tostão de indenização ou de ajuda da parte do Governo que de repente invadiu um território onde essa população morava, comprovadamente, há pelo menos 120 anos. A situação global das moradias e dos sítios tradicionais no ano de 1974, era quase igual àquela que consta do Livro de Terra, da Paróquia de São João Batista de Cananéia no ano de 1856. As grandes obras do Governo Laudo Natel em Cananéia, nos anos Setenta, a partir de 1974, começaram a atrair a população local a empregar-se nestes canteiros de obras. Se foi esse o primeiro passo de uma futura mudança de Cananéia a caminho para um certo desenvolvimento que tarda em acontecer, culturalmente foi um desastre em cima de um povo simples que veio “arrastado para a cidade em busca do progresso”. Vejam a miséria nos bairros da periferia de Cananéia e o abandono do interior que politicamente ficou descartado.



Espero ter deixado claro que o Governo, do jeito como agiu, não soube tratar essa população pobre, e que existe um terrível conflito cultural entre os intelectuais da cidade e as populações rurais e ribeirinhas nas atuais Unidades de Conservação.



Mas, por que defender a permanência da População Tradicional nessas Unidades de Conservação? Só porque hoje não temos outra solução?



Outra solução é possível, se o governo desistir de impor soluções e começar a tratar também essas populações como cidadãos de primeira classe, porque não há numa nação, cidadãos de classes inferior e superior! Os direitos adquiridos são coisa séria para quem quer bem a um povo.


Para preservar as Unidades de Conservação, a manutenção da população tradicional é sumamente importante, exatamente do ponto de vista conservacionista. Os ecossistemas, encontrados pelos conservacionistas e depois, através de um processo administrativo, declarados de utilidade pública pelo seu valor ambiental e ecológico, estão neste estado bonito de preservação porque aí habita essa população tradicional. Esse povo conservou esses ecossistemas de maneira quase natural. Isso pode ser constatado em quase todas as áreas importantes a serem conservadas. O morador tradicional vive nesse meio ambiente, faz parte dele e tem uma índole de integração, respeito profundo e conservação. Suas atividades extrativistas e de lavoura correspondem a métodos que preservem para os filhos e netos e respeitam os animais e gostam da flora. A natureza é vivida como parte de sua casa e de sua vida e ainda requer um respeito maior porque ela lhe foi dada por Deus para que seja preservada para os demais.



Os métodos de trabalhar e de viver dentro desses ecossistemas corresponde a métodos de conservação. As roçadas e queimadas, executadas durante milhares (os índios) e centenas (os caiçaras) de anos, garantiram essa natureza abundante e essas florestas conservadas. Está mais do que comprovado que os sitiantes foram difamados e maltratados, até que estudos viessem a demonstrar que a natureza persistia intacta nessas áreas com uma população tradicional e que a predação da Mata Atlântica não acontecia pelas roças e pequenas queimadas praticadas por essas populações mas pelos grandes projetos liberados para as grandes empresas.




Durante dois séculos houve muitas atividades agrícolas na Ilha do Cardoso, com dezenas de pequenos engenhos de arroz e de açúcar. Sempre foram feitas canoas e houve a retirada da taquara e de mourões para os cercos de pesca, sem que houvesse predação irreparável.



Se quisermos conhecer as riquezas das plantas e os segredos da fauna, teremos de aprender a conviver respeitosamente com os moradores tradicionais. Teremos de admitir que criaram quase espontaneamente diversos tipos de arroz, de mandioca etc., e não exterminaram nenhuma espécie. Respeitam os ciclos da procriação e não caçam para esnobar ou para ganhar em competições de caça ou pesca.



Uma área de proteção ambiental sem moradores é uma área abandonada e exposta a invasões de todo tipo. O palmito está sendo roubado em toda a extensão da Ilha do Cardoso, porque o morador tradicional foi expulso de suas beiradas.



O morador tradicional é então um santo?






Minha experiência não tem nada a ver com romantismo ou irrealismo. O morador que vive e cresce, cria filhos e envelhece e continua presente no mesmo lugar através de seus filhos. Esse morador vive integrado e conhece a importância e o valor concreto de cada planta e de cada pedaço de chão. Possui experiência profunda do lugar onde nasceu e quer viver sua vida, com valores que a cidade desconhece.



Um exemplo que é muito comentado em reuniões com pescadores artesanais, é a diferença entre os “catarinas” que ficaram nas praias de Santa Catarina e que protegem o Meio Ambiente e brigam pela preservação e os colegas “catarinas” que embarcam nos barcos da pesca empresarial e depredam todas as costas do Brasil, ou que são levados por empresários a pescar tainhas ou camarões na Lagoa dos Patos na hora do defeso do camarão em Santa Catarina. Não respeitam nada e avançam como se quisessem captar a última tainha e o último camarão antes do dia terminar. Depois de deixar as vilas onde estavam integradas na comunidade e na natureza, tornaram-se exploradores e predadores pela pressão do capitalismo e pelo tipo de pesca empresarial que temos no Brasil.




O mundo não necessita somente da Preservação da Biosfera, dos ecossistemas, dos mananciais de água e das plantas medicinais. O manejo sustentado não é algo para podermos ter proveito econômico das áreas a serem preservadas. Necessitamos aprender muito da maneira de viver dessas populações tradicionais, da sabedoria dessa integração espontânea, dessa liberdade de viver no meio da natureza. A qualidade de vida, (que o homem moderno está acostumado de medir a partir do conforto e do número de aparelhos elétricos e eletrônicos), a qualidade de vida que o morador tradicional vive, hoje é algo desconhecido para pelo menos oitenta porcento da população de nosso Brasil. A liberdade, viver sem medo, o contato natural com o sol, a lua, a chuva e o calor, o conhecimento do tempo, das marés, da fertilidade do chão e das épocas de lavrar a terra e de plantar, a prática de acompanhar as estações que influenciam em todo o seu comportamento e modo de viver, a experiência com as raízes da vida e com a reprodução das espécies; assuntos que a cidade deixou para trás e de que não sabe o quanto perdeu. Tudo isso será de valor imensurável na hora que o povo em busca de qualidade de vida, se voltar para o humano, a intuição, a sensibilidade, a integração e a convivência.

Mas, o povo da cidade não quer a vida dura do sítio, a pobreza e a falta de conforto.



O povo do sítio também não, mas esse sofre`, por demais, pelos problemas da miséria, porque os governos do Brasil nada fizeram para levar um pouco de conforto para o interior do país, primeiramente através de uma política agrícola voltada para o povo, depois através de uma educação capaz de elevar o poder aquisitivo dessas populações. Nas áreas onde foram implantados os Parques e Estações Ecológicas, mas também nas Áreas de Proteção Ambiental de modo geral, a vida ficou mais pobre e a fome mais aguda ainda, pela política errada da perseguição através das inúmeras restrições sem alternativas.







Mesmo hoje, quando tanto se fala de manejo de palmito, de ervas medicinais, de flores ornamentais e outras modalidades, nenhum desses projetos tornou-se acessível para as comunidades tradicionais. O capital e os investimentos se dirigiram para os empresários. O governo não destacou gente para ajudar as populações perseguidas para criar alternativas qualificadas de sobrevivência. Pequenas experiências como a Reserva Extrativista do bairro de Mandira em Cananéia, as iniciativas de fomento ao Ecoturismo e as parcerias de manejo no PETAR, são inícios tímidos que apontam na direção certa.







Nesta ótica, deve-se dizer que foi muito importante a implantação de energia solar, em Cananéia e Iguape, nas casas dos moradores tradicionais das áreas de Proteção Permanente. Cada casa recebeu, através de um convênio entre a Cesp, a Fundação Florestal e as comunidades envolvidas, uma placa de captação de energia solar, a instalação de duas baterias, duas lâmpadas e uma tomada para rádio ou TV, uma rede elétrica de 12 Volts. Isso veio ao encontro de anseios profundos do povo, sem causar nenhuma estranheza: começaram a ter a luz do sol para iluminar suas casas de noite como já a vinham recebendo de dia. E no meio do mato, estão surgindo antenas parabólicas para captar as imagens do mundo em lugar do querosene que cheirava mais do que clareava; mas era o que tinham.





É importante para as populações que haja uma assessoria adequada e permanente. As mudanças são tantas e as pressões terríveis. Ser multado no lugar onde sempre viveu, é humilhante e provoca medo por fora e revolta por dentro, sem poder rebater. Valorizar o aspecto humano é dever da Política de Preservação, e é isto o que devem aprender os ambientalistas!



Como ANEXOS, serão copiados alguns trechos de documentos produzidos junto com a população tradicional da Ilha do Cardoso em situações bem concretas. O escrito é do autor deste artigo, mas a questão trazida e seu conteúdo é da população local. São textos das ocasiões de conflito e sofrimento. São propostas desta população que conhece a realidade de sua vida emperrada ou quase impedida de prosseguir.



Anexo 1: Famílias de Itacuruça, na Ilha do Cardoso, que perderam suas casas pelo avanço do mar e foram impedidos pelo Diretor do Parque de reconstruí-las:



“A cultura do povo caiçara está sendo ameaçada permanentemente. Somos caiçaras e queremos viver conforme a nossa cultura e modo de ser. Muitos bairros esvaziam-se pela necessidade dos filhos poderem estudar. Os recursos de conforto em nossos bairros são mínimos e os jovens, em primeiro momento, apostam na TV e na vida na cidade. Passamos por esse conflito cultural, mas queremos manter e aprofundar a nossa cultura.



Nos papéis dos planejamentos ambientalistas, os bairros de pescadores caiçaras estão protegidos, sem que nada se faça por eles. Constatam um esvaziamento desses pequenos bairros mas nada se faz para impedir esse processo.



Nós lutamos, há mais de vinte anos, para guardar e aprofundar a nossa cultura, porque ela é nosso modo de viver e de nos organizar, a maneira que cabe na nossa pele e está de acordo com o nosso coração e nossa mente.



Durante estes anos, em que estamos impedidos de reconstruir as nossas casas, nos revezamos na Capela de Santo André. Cada fim de semana, uma família ocupa a Capela para passar esse fim de semana na Ilha. No tempo das férias, o pessoal se acumula nas três casas e na capela. Mas isso não é como deve ser!



Se não pudermos reconstruir as nossas casas, somente aquelas que foram destruídas pelo avanço do mar, o bairro de Itacuruçá vai desaparecer, porque com apenas três casas de nosso povo, não dá para mantermos um bairro vivo. Cinco casas são o mínimo para mantermos a vivência do bairro e da cultura caiçara enquanto outra parte de nossa família está se esforçando para manter o bairro de Trincheira, na Ilha Comprida.



Não é por falta de interesse, mas pelo empobrecimento, que estamos com dificuldades. O povo de pescadores artesanais, a pesca, tudo empobreceu. Isso também se deve ao descaso da política do governo, dessa vez pela falta de conhecimento e capacidade do IBAMA, que não entende de pesca nem de pobres!



Algum ambientalista que não sabe nada do povo mas somente de ecossistemas, pode pensar que se o bairro de Itacuruça deixar de existir, estará de acordo com a política dos parques, que não podem ter moradores. Deixem de ser ingênuos!! Terra sem morador é terra abandonada; isto é a mesma coisa que “exposta aos exploradores”, enquanto pequenos bairros de moradores tradicionais são a defesa natural das Áreas de Proteção Ambiental de modo geral e de culturas humanas.
Nós temos clara consciência do que aqui estamos falando!....



Outro argumento usado é o de criar precedentes para a construção de mais casas: O nosso caso não cria precedente algum! Somos moradores tradicionais da Ilha; perdemos nossas casas pelo avanço do mar, na barra. A nossa cultura, tão falada em documentos e palestras, depende de nossos pequenos bairros. Nossa vida é conhecida como compatível com a política ambiental. Somos pescadores, fazemos umas pequenas roças sem chegar a desmatar árvores e protegemos a terra contra invasores porque a natureza deve ser protegida.”



Anexo 2 : A discussão sobre a liberação para pesca, de um pedaço do canal entre a Ilha da casca, o Continente (bairros de Bom Bicho, Retiro, Itapanhoapina) e a Ilha do Cardoso. Era proibida a pesca por causa do criadouro de ostras na Ilha da Casca. O Ibama está querendo liberar a pesca na área pressionado pela pesca amadora. Os pescadores da região e a Colônia de Pescadores respondem:
“Esta região em pauta, em torno da ilha da Casca, mais o trecho do Canal que leva a Marujá e Ariri enquanto está interligado à região do Bom Bicho, Retiro e o Rio de Itapanhoapina, com todos as suas ilhas de mângues e barras de rios, é uma área de imenso valor para a criação e o crescimento de peixes, caranguejos, ostras e outros moluscos. Essa região deve ser preservada como criadouro. Por duas razões, e ambas são muito claras para nós que subscrevemos este Documento, os poucos pescadores artesanais que moram nesta área, devem poder pescar, pegar caranguejos e retirar ostras e outros moluscos, sempre em acordo com as portarias normais que visam os defesos e a proteção das espécies e do ecossistema: 1. estes pescadores em nada depredam este ecossistema mas vivem desta região que é seu habitat natural e exploram a riqueza da região de uma maneira muito simples, sem depredá-la conforme os hábitos caiçaras. 2. Além disso, eles são os defensores naturais da área. Uma área onde ninguém pode atuar, é uma área desprotegida, exposta a predações.




A área em pauta, não deve ser aberta para a exploração pesqueira dos demais pescadores, porque seu valor ecológico é de grande importância. Nós, que subscrevemos este Documento, somos de opinião que deviam ser criadas outras regiões com este mesmo regime de preservação.
Também a pesca amadora não deve poder atuar em áreas de criação, como infelizmente está acontecendo por demais. Robalinhos de 15 a 20 cms continuam sendo pescados em grande quantidade e há muito turista que “arma” pescadores profissionais com petrechos caros ou tem o seu próprio gerival.


A Pesca e a Política Pesqueira devem ser feitos pelos profissionais da região, primeiramente pelos pescadores artesanais, e pelos pesquisadores que aí atuam e que saibam “caminhar juntos” com a experiência dos pescadores.
Esta é a primeira vez que estamos sendo ouvidos. Um fato que nos alegrou muito! Que isso possa levar às decisões certas e ser seguido por outras consultas e levar a uma atuação mais concreta da parte das autoridades encarregadas da política pesqueira.”







Anexo 3: Multado por ter roçado um pedacinho de capoeira para plantar rama. Um pescador aposentado, que saiu do bairro de Mandira porque, havia mais de dez anos, não tinha como sobreviver onde toda a sua família, no século passado, era escrava dos brancos, se defende com clareza, dizendo: “Sou caiçara, enraizado neste meio ambiente, e planto mandioca desde que me conheço por gente. Aprendi isso de meus pais e avós e nós lavramos a terra desde séculos sem depredá-la: plantamos arroz e no ano seguinte mandioca, ou em terras fracas plantamos somente mandioca, como é o caso em que a Polícia Florestal achou que eu estaria transgredindo as leis.



As leis são boas, para o pessoas modernas que plantam para ter lucro e propriedade. Isso não é o nosso jeito de tratar a terra e de cultivá-la.



Não é em escola e menos ainda em cidade e no meio dos doutores que se aprende como nós tratamos o meio ambiente que ainda existe intacto e inteiro, como se pode constatar nas terras de nossa gente. A capoeira já está alta quando nós a desmatamos novamente, porque deixamo-la crescer por bom número de anos! É o tempo que a terra precisa para descansar!






Depois de um ou dois anos de cultivo, nós abandonamos a terra para que ela se recupere e ninguém de nós desrespeita a terra que precisa recuperar-se depois que produziu para nós. A terra faz um esforço maior e depois descansa! Por isso, cada um que quer vê-lo, percebe que nós não depredamos nem destruímos.



Faz mais de dez anos, que planto mandioca e às vêzes arroz neste trecho da Estrada do Torrado. Depois a terra se refaz e voltamos a plantar aí somente depois de cinco a sete anos. Isto depende da qualidade da terra que nós aprendemos a apreciar assim.”




Anexo 4: Morador do bairro de Itacuruçá, de longa data, foi pegar uns peixes no rio Perequê, aos fundos de sua casa, porque o mar estava grosso. Foi multado e quando o policial percebeu o ridículo de seu ato, escreveu que lavrou o auto da infração por não estar portando a Carteirinha de Pesca, do Ibama.







“Por meio deste, o Pescador XXXXX XXX XXXXXX XXXXXXXXX, mui respeitosamente, vem apresentar recurso contra a Autuação que sofreu no dia 26 de agosto p.p., quando estava buscando a pegar uns peixes - paratis - para o almoço de sua família.


Pede também, seja lhe devolvida a rede apreendida nesta autuação que não deveria ter acontecido assim.


Reclama, ainda, contra o fato de ter sido autuado por não estar portando a documentação (RGP).


O abaixo-assinado é pescador profissional desde que se conhece por gente, conhecido por todo mundo neste local onde nasceu e se criou. Para viver da pesca, trabalha na costa e tem para essa atividade todos os documentos e o barco em dia. Não estava exercendo a pesca comercial, mas simplesmente pegando uns paratis no rio. O mar estava ruim, não era aconselhável ir pescar barra a fora. Foi então, buscar uns paratis para o almoço, como faz desde criança e como é o costume de muitíssimos caiçaras tradicionais nestas praias: Vive da pesca na costa mas em caso de mau tempo, pega uns peixes como mistura para o almoço.


Isso não é, de modo algum, um ato predador, porque, como devem saber, o parati entra e sai nestes rios de beira mar, diariamente. Aliás, Itacuruça, tanto na costa como no rio Perequê atrás das casas do bairro, é um lugar de passagem do parati.


O abaixo-assinado não cometeu, também, nenhum crime contra a Ilha do Cardoso, da qual é um preservador, como morador tradicional e participante de todas as reuniões que tratam do manejo da Ilha do Cardoso. A Ilha do Cardoso é preservada pela população tradicional, especialmente neste bairro de Itacuruça, como todos bem sabem.


Não estava exercendo a pesca, somente pegando uns paratis para o almoço, o que significa que não fez nada que infringe as leis. Mesmo o fato de não estar portando o RGP, não pode ser visto como algo clandestino ou ato contra a lei: estava buscando uma mistura ( 3 paratis) para o almoço aos fundos do local onde mora.



A Colônia de Pescadores, através de seu Secretário, sustenta o pedido de revisão dessa autuação contra o nosso associado da Colônia de Pescadores Z-9, de Cananéia e atualmente Membro do Conselho Fiscal da mesma, por não estar infringindo nenhuma lei, como acima está bem explicado.


Esta Colônia é de opinião que a Polícia Florestal deve estar a par dos entendimentos que há entre os Moradores Tradicionais das Áreas de Proteção Ambiental e a Secretaria do Meio Ambiente. Não discutimos a validade dessa lei, mas a sua aplicação depende das circunstâncias e primeiramente de quem é a pessoa que está pescando no Rio Perequê e se está lá por esporte, para fazer comércio com o produto ou se trata de um morador tradicional do local que está buscando completar o almoço de sua família.


Na esperança que o equívoco esteja esclarecido, a autuação seja revista e a rede, com as malhas de acordo com a lei, devolvida, pelo bem de todos e com todo respeito, assinam,




Anexo 5 : Como já foi mostrado, as multas impediram que o povo caiçara de Marujá mantivesse o costume secular do cultivo da mandioca, instrumento cultural do papel social da mulher na família e na sociedade. Está na hora de a política ambiental ajudar a recuperar este costume tão importante para essa sociedade.



“Por meio deste, os abaixo-assinados, acima mencionados, mui respeitosamente vem pleitear sejam anulados os autos de infração ambiental contra os mesmos: Devem ter sido resultado de grande zelo da parte da Polícia Florestal desse destacamento, sem que ela estivesse informada da nossa Cultura Caiçara e da importância do Cultivo da Mandioca para a preservação dessa cultura:





1º O cultivo de pequenas roças de mandioca e arroz (este mais ao norte do bairro da Praia do Meio, próximo ao costão da Ilha do Cardoso), são uma prática de longos séculos, resultado de nossa ascendência indígena e portuguesa, muito anterior à criação do Parque da Ilha do Cardoso e nunca foram perseguidos por causa desta prática.


2º Essas pequenas roças são uma necessidade dos moradores da Restinga e correspondem a toda a sua cultura caiçara de pescadores e lavradores, e ao papel das mulheres no sustento de suas famílias. O cultivo da mandioca e a fabricação da farinha são fatores essenciais de nossa cultura e não podem ser retirados de nosso estilo de vida. Pela mesma razão cultural, este cultivo da mandioca e a fabricação caseira da farinha servem exclusivamente para o uso das famílias do bairro e não são objeto de venda.





3º O local dessas pequenas roças são as capoeiras baixas que se renovam rapidamente sem que haja qualquer tipo de erosão ou outras formas de degradação, assim que a cada três ou quatro anos, são feitas novas roças nos mesmos lugares. A planta da mandioca pertence ao ecossistema da Restinga, tanto como a mata baixa que de três em três anos lhe cede lugar.



4º Os abaixo-assinados são moradores nativos da Ilha do Cardoso e sempre souberam usar os recursos naturais da forma mais racional possível dentro de uma visão de convivência com os mesmos e a prova disso é a conservação da Ilha, apesar de o Estado não apresentar nenhuma política de preservação.




5º Os moradores nativos da Ilha do Cardoso, pela sua cultura própria e apropriada ao ecossistema da mesma ilha, não podem ser simplesmente igualados aos invasores que de todos os modos entraram na Ilha e a depredam onde pisam. O que muitas vêzes deixa de ser visto!



6º Este Cultivo da mandioca dentro da Cultura Caiçara, está sendo objeto de estudo da parte da Escola de Agronomia de Piracicaba e tem recebido grande atenção em Simpósio sobre biogenética e o surgimento de novas espécies, no Japão, mas está sendo destruído pela falta de uma política ambiental da parte do estado de São Paulo.



É urgente uma política global de preservação da Ilha do Cardoso, da parte do Estado de São Paulo. Temos insistido nisso de muitas maneiras, sempre em vão”, e não agüentamos mais esse descaso. Enquanto somos os preservadores e protetores da Ilha, recebemos as multas de quem não sabem como executar uma política adequada.”





Anexo 6 : Há anos, o povo de Iguape, Cananéia e Guaraqueçaba luta por uma Portaria que proteja de fato o caranguejo da destruição que está ocorrendo. O Descaso do Ibama foi denunciado de muitas maneiras, mas sempre em vão. Esse tipo de coisas, revolta a população que se acostumou a uma séria de restrições e constata que outros fazem o que bem entendem sem que nada lhes aconteça.




“Novamente, um grupo de pessoas, que seriam do Estado de Rio de Janeiro, vem depredando os Mangues e os Caranguejos.





Com a extração radical dos Caranguejos, é destruído o mangue, uma vez que as tocas se fecham, a circulação vertical da água fica obstruída, assim que a camada de barro duro de uns sessenta a setenta centímetros de grossura se desmancha e com e ela toda a possibilidade de arborização do mangue se desfaz.

A Portaria Nº 106-N, de 4 de outubro de 1993, já é pobre e insuficiente e deve ser ampliada em função de uma urgente proteção do caranguejo e do mangue como ecossistema.


O Art. 1º, incisos I e II, porém, são suficientes para a Polícia intervir e parar de vez essa destruição de que estamos falando acima.




Os pescadores do Bairro de Porto de Cubatão, Xxxxxx Xxxxxxxx e outros, podem contar como são usadas pedaços de filó e de algodão para caçar os caranguejos. Isto é contra inciso I.


Temos certeza que às vêzes tem sido usado carbureto, não como explosivo, mas como fonte de gaz tóxico, assim que os caranguejos subam das tocas enquanto os menores morrem em baixo e a população toda fica destruída.




Urge unirmos as forças e proteger o mais rico ecossistema marítimo existente no planeta e posteriormente buscar juntos a forma de um defeso adequado do caranguejo.


Por enquanto, estamos cobrando a ação da Polícia Florestal contra a depredação.











Anexo 7 : Transcrevo exemplos de posicionamentos da população tradicional do Parque Estadual da Ilha do Cardoso, produzidos em preparação das Reuniões sobre o Manejo da Ilha do Cardoso, neste ano de 1997. Suas lideranças tem idéias claras sobre a Ilha de que tanto gostam e que querem seja adequadamente preservada.

“12. Estranhamos muito do que se chama de “Ecoturismo”. Depois que os moradores tradicionais estiverem expulsos, em grande parte já até agora, os ricos inventam o Ecoturismo. Onde o pobre não pôde mais viver, os ricos fazem os seus passeios. Além disso, nós, moradores antigos e tradicionais da Ilha, moramos nas beiradas da Ilha. O centro da Ilha sempre pertenceu aos animais. Quando o morador antigo ia caçar, voltava para a beirada da Ilha e os animais ficavam sem ser incomodados, no “centro”. Se os ricos agora inventam que podem fazer “trilhas” no “centro” da Ilha e tomar banhos nos poços da Cachoeira Grande, estarão depredando mais do que o antigo morador que de vez em quando ia caçar. Os animais maiores estarão incomodados no lugar de sua vida, em seus territórios, e serão espantados. Isso é depredação! No “centro” do Parque não há lugar para turistas que com certa freqüência vão passear lá. Isso é ridículo e desfaz o ecossistema do parque. Melhor tivessem deixado o povo morando em todas as beiradas da ilha, com suas pequenas plantações que davam sossego no “centro” e comida através das roças.




13. A Ilha do Cardoso é um parque sem nenhuma proteção ao lado de fora. Nós sempre defendemos uma política pesqueira não predadora, tanto no mar de fora - no oceano- como no mar de dentro. O IBAMA nunca se preocupou com isso, nem entende de pesca. Não há parceria com os pescadores. O Ibama faz tudo sozinho e faz tudo errado; os defesos do camarão e do caranguejo estão errados, Para o Bagre nem tem. Os pescadores pedem um trabalho sério e se oferecem para ajudar e o Ibama só mostra desprezo. Até quando?




14. Deve ser criado uma “área-tampão” para proteger a Ilha do Cardoso: Os barcos com motores de 65, 100 e até 300 cavalos agridem os peixes debaixo da água e destruem os mangues com as marolas que levantam. Mas são ricos que estão fazendo essa depredação e aí, ninguém vê!
18. Fica a pergunta de quem tem direito de morar na Ilha. Os moradores tradicionais? Todos eles com os futuros filhos e netos, com os maridos de suas filhas e as esposas de seus filhos, mesmo vindo de fora?
O Parque Estadual da Ilha do Cardoso, nossa terra natal, deve ser preservada e nós queremos fazer esse trabalho, junto com o Estado e todos que realmente querem a sua preservação. Mas enquanto a vida dos pobres do Brasil piora sempre mais, muita gente quer se abrigar neste Parque.
Por quê não estabelecer uma política de outras formas de sobrevivência e dum futuro decente para os moradores tradicionais que possam querer sair da Ilha se receberem chances de uma vida digna fora da Ilha? Os moradores que saíram temporariamente da Ilha para os filhos poderem estudar, são vistos depois como “já-não-moradores da Ilha”!
Os que ficaram, tem os filhos prejudicados pela falta de possibilidade de estudar além da Quarta Série. A Lei Estadual da Educação obriga o Estado de São Paulo a garantir o Primeiro Grau a todas as crianças, mas isso, para os moradores do Sul de Cananéia, é letra morta.
Deve haver uma política explicita de oferecer outras ocasiões para os que nasceram na Ilha, para poderem viver felizes em outros lugares.
9. A aquisição de instalações de água, luz e outras formas dos confortos modernos, deve ser possível, em acordo com os responsáveis pelo Parque. Morador tradicional, porém, não quer dizer “condenado a ficar atrasado”. Meio Ambiente é um conceito moderno de vida e os moradores da Ilha acompanham o tempo em que vivem.
11. Pode acontecer alguns intelectuais pensarem que somos uma cultura primitiva, vivendo sei lá de que maneira, como descendentes dos povos indígenas. Somos descendentes dos Guaranis, dos negros escravos de Cananéia e dos portugueses pobres que aqui ficaram, mas somos inteligentes. Só não almejamos a cultura sofrida das grandes cidades e a mentalidade de quem nunca está contente na vida.

CONCLUINDO:





O Objetivo deste artigo é mostrar que existe um claro conflito cultural, que durante muitos anos fez esta importante população sofrer muito e perder tudo o que tinha ao sair das áreas. Quem ficou continua perseguido e multado com freqüência.

O Objetivo maior é tentar tirar conclusões sem dúvida provisórias e incompletas, mas que possam ajudar-nos a compreender e tratar melhor as populações tradicionais.




A bem da verdade, sou obrigado a afirmar primeiro que muitos dos moradores tradicionais já teriam perdido suas terras, por expulsão, grilagem ou venda de suas posses, se a política da declaração de Parques, Estações e APAs não tivesse acontecido do jeito atropelado como aconteceu de fato. Foram criados muitos parques sem a devida implantação e os manejos adequados obrigatórios. Mas, se as áreas não tivessem sido “embargadas” por essa política ambiental, a maior parte da população tradicional estaria morando nas periferias de Paranaguá, Cananéia, Iguape, Registro, Curitiba e São Paulo. As negociatas de vendas e compras especulativas igualmente, teriam impossibilitado de vez a implantação dessas Unidades de Conservação.

Estes fatos, porém, não nos liberam de considerar as conclusões que aqui seguem:






1. As Populações das Áreas de Preservação Permanente, são preservadoras e defensoras das áreas e dos ecossistemas. Elas convivem com toda essa realidade da biosfera

2. Elas tem um conhecimento da natureza de uma maneira tal como os pesquisadores, obrigados a fazer “especializações”, nunca serão capazes de adquirir. Se quisermos aprofundar o nosso conhecimento verdadeiro dos ecossistemas e da Biosfera, teremos de aprender a fazer alianças e trabalhar em parcerias com o amplo conhecimento dessas populações.




3. Elas representam uma maneira de viver e de conviver com a natureza, que o mundo de hoje, voltado para o progresso material, não é capaz de conceber. Delas precisamos aprender de novo, o que significam na prática Ecossistema e Biosfera. Podemos ter certeza que vamos querer aprofundar, novamente, nossa vivência como partes integrantes da natureza e do mundo que nos rodeia.




4. Elas devem ter acesso a escolas, à formação profissional, a opções fora dos parques.
Uma boa porcentagem dos ICMs, que os municípios recebem, deve ser aplicada em favor delas. Os municípios sofrem restrições sobre as áreas protegidas mas os habitantes dos parques muito mais.




O Estado pode, através de sugestões, passar às administrações municipais um “estímulo” para essa política em favor dos habitantes dos parques.

5. As populações tradicionais devem ser integradas direta e indiretamente na política de preservação e manejo dos locais onde habitam. De repente, a política ambiental tornar-se-á capaz de preservar e de praticar os manejos desejados.




6. Ninguém deve pensar que são santos. Estão sujeitos a todas as más influências, assim como nós. Uma Educação Ambiental bem prática, para e junto com esses grupos, poderá ajudá-los a analisar sua cultura, a compreendê-la com maior objetividade e fazê-los perceber como estão sujeitos e quanto já foram influenciados pela política predadora de nosso mundo “tão moderno”.



Repito ao fim: O Objetivo é abrir debate ....



Padre João Trinta - Cananéia, 19 de setembro de 1997







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