quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O VALO GRANDE DE IGUAPE.....


O VALO GRANDE DE IGUAPE, O RIO RIBEIRA E O MAR DE DENTRO (O Lagamar).
Cananéia, 24, de outubro de 1998

A BARRAGEM do Valo Grande, em Iguape, deve ser FECHADA QUANTO ANTES !
Isso é uma verdade muito grande e óbvia para quem conhece o Vale do Ribeira; a APA de Cananéia, Iguape, Peruibe; a APA da Ilha Comprida; o Macro-zoneamento de Iguape, Ilha Comprida e Cananéia; o Parque Estadual da Ilha do Cardoso; o Lagamar de Iguape, Cananéia, Paranaguá, e o mundo de hoje e de amanhã....
                            
Pode se discutir o prejuízo sofrido por uns agricultores que de repente começaram a introduzir plantações permanentes e bananais, em vargens do Rio Ribeira. Na medida que esse prejuízo não pertença ao mundo dos erros dos próprios plantadores, pode-se analisar a quem dar o restante da culpa. Aos primeiros gestos brutais de El Ninõ do ano de 1983 e ao aquecimento do Planeta Terra graças ao nosso desenvolvimento materialista e automobilístico; à construção da Estrada Nova que sai da BR 116 a cidade de Barra do Turvo, no início dos anos oitenta, e ao assoreamento que o despejo dessas terra no Rio Turvo provocou na região baixa do Rio Ribeira; a todos os fazendeiros, inclusive aos próprios autores da queixa, que acabaram com os matos ciliares; às dragas que, a cada ano mais, retiram saibro do rio para as construções e neste ano para abastecer às construtoras da BR 116 que estão usando o saibro para evitar a infiltração de terras pobres na base da pista nova. Essas extrações de saibro ocorrem quase sempre a poucos metros das beiras do rio e provocam assim em muitos lugares desabamentos dos barrancos e novos assoreamentos.

Podemos ainda culpar a abertura do Valo Grande no século passado. Por essa vazão facilitada, não somente perdeu-se o porto internacional de Iguape e o ecossistema do Lagamar, mas ao mesmo tempo ocorreu o diminuição de fluxo de águas pelo Rio Ribeira até a barra natural. Um rio que perde a pressão das águas perde a velocidade de sua correnteza e começa a assorear-se automaticamente.
Enchentes, sempre ocorreram. O Rio Ribeira tem as suas vargens para comprovar isso. Relatos por escrito, das tripulações das lanchas da Sorocabana, contam que as lanchas umas vêzes, há dezenas de anos, foram atracadas acima dos cáis, em Registro.
[Alias, por quê um órgão tão importante na história do Vale do Ribeira, não colecionou todos os relatos, inclusive os “particulares” para preservar essa bela história de um rio que tinha sua navegação bem organizada de lanchas fazendo as ligações por todo esse Vale, e de que esses rios todos eram navegáveis?]
Muito significativas são as belas casas que foram construidas na Colónia Japonesa de Jipovura, em cima de barrancos mais altos ou em cima de esteios grossos e fortes para se proteger contra as cheias que a quase cada ano aconteciam, em uns anos maiores, em outros menores. Bonitas, merecedores de uma visita são as casas das famílias Nishidate e Yanaguisawa, e pode acontecer que da ”Bandeirante” ou da ”Morrão Ribeiro” surja ainda uma dose da amarelinha dos bons tempos!
No momento, o Ribeira sofre todas as formas de destruição. Surgiram bancas de areia, provas claras de processos de assoreamento, até no Ribeira Alto. As dragas que já foram mencionadas, por trabalharem próximas aos barrancos, provocam o desabamento dos barrancos e se abastecem assim de saibro em abundância. Mas, isso é uma calamidade e uma predação que há de prejudicar e de acabar com a flora e a fauna de todo o rio e de suas margens, quando esse perde profundidade e consequentemente a possibilidade de escoar rapidamente as águas das chuvas. Deixará de ser um rio e se transformará numa longa série de poços no meio de um deserto de pedras e saibro para se tornar um desastre generalizada em cada época de chuvas.

Medidas urgentes:
• O Plantio imediato, obrigatório e com incentivos dos ICM’s, de margens amplas de matas ciliares;
• O Fechamento imediato da Barragem do Valo Grande, em Iguape, através de;
• A Colocação das comportas, administradas depois por órgão pelo menos de nível estadual;
• A Dragagem de curvas do Rio Ribeira, para facilitar o fluxo das águas que automaticamente hão de trazer o desassoreamento e o aprofundamento do leito do rio;
• A Parada imediata das dragas, com revisão geral desse processo da retirada do saibro. Esse mecanismo não pode provocar, de modo algum o desabamento dos barrancos do rio, mas pode ajudar no processo de desassorear e aprofundar o leito;
• Um estudo sério das cheias havidas nestes séculos, da duração de cada, da ocupação das margens e da história dos tipos de aproveitamento feito pelos agricultores. O processo por indenização em andamento, de um lado deve ser levado a sério mas de outro não pode funcionar, assim como está acontecendo, como uma pedra de tropeço maciça que ninguém tem coragem de mexer com ela.
No Brasil da atualidade e do futuro do Planeta Terra, o Rio Ribeira é um tesouro que não se pode perder nem destruir, sob pretexto nenhum! Vamos deixar de ser bairristas e colocar este conjunto ambiental dentro do mundo da globalização. O mundo está num processo de mudanças radicais e a vocação do Vale do Ribeira ficou guardada, mas já está descoberta.

O Meio Ambiente; os ecossistemas; a biodiversidade; as águas abundantes e límpidas (no Ribeira já nem tão límpidas, mas dá para inverter o processo); a flora tropical da Mata Atlântica; os mangues limpos, não poluídos; as restingas; a fauna nestes diversos ecossistemas até agora minimamente conhecida mas até então preservada, uma biodiversidade que ultrapassou a última era glacial, a única da Mata Atlântica ainda existente; um conjunto de natureza forte e belíssimo que surge do mar, passa pelos mangues e restingas, erguendo-se progressivamente até uma altura maior de 1200 metros deixando no meio vales enormes com toda a riqueza desta Mata Atlântica que aqui existe.

Isto traz Progresso? Depende do trato que se dá à região. Nunca seremos uma Alta Sorocabana, uma região como Presidente Prudente. Mas o pessoal de Ribeirão Preto, de Goiás e do Planalto vão querer passear aqui, passar suas férias e gastar como gastam em outros lugares, em troca do produto oferecido...

No Nordeste, programa obrigatório é de sol e as praias. O mito da praia e do corpo pelado exposto ao sol não empolga todo mundo ou para as férias de todos os anos. Estou pensando muito em gente que bem gostaria de fazer umas caminhadas debaixo de chuvas fortes e de sentir a força do vento e o gosto do barro aos pés. Conhecer bancas de cultivo de ostras, criadouros de camarões para depois consumi-los recém capturados, beber água da cachoeira e levar para casa uns vasos de bormélias cultivadas na beira do mato onde estão florindo em abundância.

Cadê os projetos de criar capivaras, catetos, pacas, etc? Para poder conhecer os animais na natureza, sendo criados de maneira sustentada e para quem tiver as posses, poder comer uma capivara, num sábado sem outros compromissos depois.

Cadê os canteiros de mudas de árvores nobres ”de lei?” Daqui uns anos, será ”hot” plantar no quintal ou na frente da casa, umas árvores tradicionais como Peroba, Jacarandá, Embúia, Maçaranduba, ipê etc.

Cadê o cultivo das frutas saborosas da região: Goiaba, Abacate, Mexerica e Araçá? Cultivá-las de maneira autosustentada, sem produtos químicos, do jeito como sempre existiram na região do Vale do Ribeira.

Banana, Chá, Manjuba, Tainha, Peixe porco, Camarões, Ostras, Mexilhões, Arroz integral, Mandioca, Aipí e Galinha caipira, não mais cultivadas para ser vendidas por uns tostões mas beneficiadas de diversas maneiras como pratos típicos ou para serem levadas para casa como produtos nobres do Vale do Ribeira.
                                   
Convertei-vos, administradores e investidores do Vale do Ribeira! Aqui não é lugar para grandes obras como acontecem serra-acima. Esta região tem uma vocação própria, seu povo é importante porque é mantenedor da tradição secular, o conhecedor desta realidade. Sua maneira de viver, seu conhecimento dos produtos, sua cozinha, sua maneira lerda e desconfiada, sua arte, tudo pode fazer parte de um Vale do Ribeira caiçara com uma vida sóbria, mas digna e sadia, e com possibilidades de se fazer opções aqui em baixo ou serra-acima.
Mas o Valo Grande, o Lagamar, o próprio Ribeira e os Ecossistemas, fazem parte desse projeto, não separadamente mas como um imenso conjunto de biodiversidade que aí está para os futuros séculos e as futuras gerações.
Padre João Trinta, 23 de outubro de 1998.





segunda-feira, 3 de outubro de 2011

QUESTÕES FUNDIÁRIAS DA ILHA DO CARDOSO, DA SUA HISTÓRIA E DO PARQUE ESTADUAL


 



I - Aspectos fundiários antigos.
A posse das terras da Ilha do Cardoso pelos europeus teve início nos primórdios do século dezesseis com a chegada dos portugueses e espanhóis à América do Atlântico Sul.
Existem documentos oficiais sobre o parcelamento da ilha para moradores, a partir do século dezoito, embora sua ocupação tenha ocorrido desde a vinda do Bacharel, Mestre Cosme Fernandes à região de Cananéia.
Uma Escritura lavrada nas Notas do Tabelião da Vila de Cananéia em 23/12/1701, refere-se à permuta de terras que entre si fizeram, de um lado o padre vigário, Manoel de Lara Costa que entregou suas terras do Continente em troca de outras “que temos na Ilha do Marco, adonde chamão terras do Cardozo, paragem chamada Itacoatiara, terras que forão do dito Domingos Cardozo nosso avô, as quais lhe largamos pela dita troca”. Assinantes: Escrivão Anastasio Alves Pais, Antonio Medeiros, Ana Maria, Luiz Fernando Castelo Branco, Pedro de Medina Cardoso, Manoel de Lara Costa”.

Dentre as sesmarias concedidas na Ilha do Cardoso, duas são mencionados por Antonio Paulino de Almeida, em “Memória Histórica da Ilha do Cardoso”. A Primeira carta de Sesmaria foi concedida a Antonio Pereira de Aquino, em 29/07/1777.
Alegava em seu requerimento, que era casado e cultivava a terra com 10 (dez) escravos, na paragem denominada Camborupu. Parte das terras houvera por título de compra e parte, por ocupação de terras devolutas. Pediu concessão de uma sesmaria de 800 braças em quadra, quatrocentas rio acima e outro tanto, rio abaixo, medidas a partir de suas casas, fundos, para o sertão da Ilha.

Antonio Ouros foi outro a pedir Carta de Sesmaria na Ilha do Cardoso, nas cabeceiras do Rio Barreiro, de meia légua em quadra, ficando dentro da medição, a casa do requerente. A Carta de Sesmaria foi-lhe concedida em 10/09/1779.
Desde o século dezoito eram conhecidos mais de vinte sítios disseminados pela Ilha do Cardoso, onde o cultivo de cereais era intenso.
A restinga ao lado sul da Ilha, era ocupada somente por ranchos de pescadores.
II – A Lei 601 de 1850 e seu Regulamento n.º 1318 de 1854.
Com o advento da Lei 601 e seu Regulamento, todos os ocupantes de terras do Brasil foram obrigados a declará-las na sede das paróquias a que pertenciam. Criou-se o sistema conhecido como o “Registro do Vigário”.
Grande número de moradores da Ilha do Cardoso declarou sua posse em Cananéia, conforme documentos existentes nessa Paróquia. Uma cópia das declarações consta do Livro de Tombo, no Arquivo do Estado, e a outra, na Paróquia de origem.



III. A Ação Discriminatória do Estado.
No dia 9/12/1969, a Fazendo do Estado de São Paulo, por sua Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, com base na Lei 3.081 de 22/12/1956, propôs ação discriminatória na Ilha do Cardoso, perante a comarca de Jacupiranga (A Comarca de Cananéia havia sido extinta), pedindo a citação da União, da Prefeitura de Cananéia e de 100 (cem) ocupantes ou interessados em terras da Ilha. Foram convidados a apresentar em juízo, os títulos em que se baseavam para ocupar as terras que julgavam pertencer-lhes, juntando, também, a filiação com sua cadeia sucessória.
Na ação, foram excluídos os terrenos da União.


 
IV. A Criação do Parque e seus reflexos na ocupação da Ilha.

Com base no Decreto Federal n.º 23.793 de 23/01/1934, o Governo do Estado de São Paulo, criou o Parque pelo Decreto Estadual n.º 40.319 de 03/07/62, consagrando a preservação das qualidades insuperáveis que a Ilha do Cardoso ostenta, para as atuais e futuras gerações.
Criado o Parque, começaram a surgir as limitações do uso do solo, inclusive, para fins da agricultura extensiva.
Com isso, grande número de pequenos agricultores foi obrigado a procurar outras áreas, fora da Ilha, para sobreviver.
Permaneceram na Ilha os caiçaras desprovidos de recursos para emigrar e os que exibiam títulos de domínio sobre porções da Ilha, mas que não precisavam delas para viver.
Na primeira classe, situam-se as famílias de pescadores tradicionais e remanescentes da miscigenação das raças branca, negra e índia; na segunda, os abastados que adquiriram terras para futuras especulações imobiliárias.

V. - A ILHA DO CARDOSO PERTENCE À UNIÃO
A União ofereceu Oposição na Ação Discriminatória da Ilha, iniciada pelo Estado.
A oposição é alegada quando alguém se coloca como titular dos direitos do autor e do réu. Com seu recurso, a União posicionou-se como única e exclusiva proprietária da Ilha do Cardoso.
A tese da União foi confirmada pelo STF que lhe deu inteira razão, com base nos preceitos constitucionais vigentes. A questão fundiária, com essa decisão da Suprema Corte do País, ficou definida.
Decorre daí que, não cabe ao Estado de São Paulo reconhecer ou não, os direitos eventualmente pretendidos por particulares que exibem títulos de domínio; não lhe cabe também obrigação de indenizar o domínio.
A ocupação da área foi deferida pela União ao Estado mediante um contrato de cessão de posse, para o fim especial de implantar o Parque da Ilha do Cardoso, obedecidas as restrições constantes do documento.
Antonio Teleginski – Adv. da SMA-SP e Jan Van Der Heijden (Padre João 30- Cananéia-SP


                                                              

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