Por uma Igreja Ministerial...
A maneira da Igreja estar presente no mundo, corresponde a um processo histórico, profundamente ligado à sociedade de cada época.
(Existe uma tendência eclesiástica que quer divulgar a igreja hierárquica como maneira tradicional, desde vinte séculos e por isso destinada a ficar assim por razões teológicas. Cada agrupamento social estruturado defende sua instituição, por ser a forma conhecida e organizada, a que as pessoas que manipulam esta estrutura, estão acostumadas. Eles se dispõem aos acertos necessários para seu funcionamento e manutenção).
A Igreja do tempo de Jesus era uma comunidade de seguidores do Mestre Galileu. Claro que tinha uma estrutura interna e externa: Pedro exercia forte liderança e funcionava como porta-voz dos discípulos, Judas era o tesoureiro. Esta comunidade tornou-se missionária e espalhou-se pelo Oriente Médio, formando numerosas pequenas comunidades, conforme o modelo de comunidade de Jerusalém que logo foi idealizada( de Atos 2, 42 em diante).
Formou-se uma organização a partir da necessidade natural assim como qualquer grupo social se organiza (cf. Concílio de Jerusalém).
No início é difícil distinguir entre presbíteros e epíscopos. Mais tarde se define uma hierarquia. O Papado é símbolo da unidade, mas os “Concílios” são realizados nas áreas onde as discussões estão ocorrendo, e o papel do Papa é relativo.
Quando na Europa os impérios se organizam, o papado também adquire postura e poder. Na Idade Média, o Imperador e o Papa se combatem duramente competindo pelo poder maior. Os bispos adquirem status assim como os nobres e o Papa torna-se um dos maiores poderes da época, assim que em 1494, o Papa Alexandre VI, de estirpe espanhol, divide as terras recém descobertas e a serem descobertas, entre espanhóis e portugueses. A partir do Concílio de Trento, como Contra-reforma frente aos Protestantes que souberam captar os novos tempos da modernidade e da individualidade, a Igreja Católica agrupo-se em torno do papado e da hierarquia fortes e bem estruturados, para assim poder combater os hereges, tomando como modelo as estruturas dos impérios da época. Agora, depois de quatro séculos, podemos dizer que a questão do poder do papado impediu à Igreja Católica perceber as grandes mudanças em andamento.
Os grandes conflitos na Europa, na segunda parte do século dezenove, obrigaram os bispos participantes do Concílio Vaticano I, a formular um poder extraordinário para o Papa quando em união com os bispos, a infalibilidade.
Enquanto a modernidade estruturava a economia, os reinos e a sociedade, os papas tornaram-se personagens fortes, venerados ou combatidos conforme as adesões ou interesses, mas, achava-se normal a existência desta estrutura hierárquica. Os impérios, porém desmoronaram ou perderam crédito diante da penetração cada vez mais forte de valores novos como a liberdade, igualdade, fraternidade e mais tarde a democracia, o voto, a individualidade e a personalidade. Especialmente a urbanização como tendência oriunda da industrialização, modificou por demais os conceitos das estruturas e do exercício do poder.
A religiosidade, na cidade, torna-se uma opção individual e ela vai perdendo o ser poder sobre a consciência e o comportamento das pessoas. O ateísmo torna-se uma possibilidade normal.
A Igreja Católica firmou pé no seu poder centralizado e mantém sua estrutura monárquica, como se essa originasse de Jesus Cristo e da Bíblia.
Ser Cristão-católico tornou-se uma opção individual; viver em comunidade já não é mais uma realidade rural, sócio-territorial, mas uma decisão de indivíduos que juntos buscam encontrar-se diante de Deus e vivenciar sua fé e sua religiosidade. A Igreja, povo de Deus, passa por uma rapidíssima transformação, impulsionada pelos valores da modernidade e pela necessidade do ser humano de re-encontrar-se na pós-modernidade, onde tudo fica fragmentado e inseguro. É grande o número de católicos que vivem uma clara consciência que sem mudanças radicais, a Igreja vai perder, e já está perdendo muito adeptos e que isto deve ser evitado, porque, apesar das muitas críticas justas contra as estruturas d Igreja, ela preserva valores incontestáveis e fundamentais para a vivência da Fé e do Evangelho. Um grande valor ‘e o próprio papado que representa o símbolo da unidade, mas os homens modernos e pós-moderno não estão querendo ser considerados como católicos de séculos atrás, quando eram tratados como “almas sob tutela do cura da paróquia rural”.
O mundo urbanizou-se e o homem tomou consciência desse processo, a cultura é urbana, pós-moderna, marcada pelos diversos processos de comunicação. O ser humano vive entre o mundo moderno que ainda existe e que sugere segurança e o mundo pós-moderno que o assusta, mas se impõe, especialmente pela dominação da economia neoliberal. O ser humano busca o religioso como abrigo, de todas as maneiras imagináveis. O individualismo e o medo predominam nesta busca e o resultado se vê nas mais diversas formas de aglomerar grupos e/ou multidões em torno de comunicadores de religiosidade.
A Igreja Católica, através de inúmeros seguidores comprometidos com o Evangelho, já avançou muito e se realiza nas milhares de comunidades e nos muitos grupos de reflexão, de atividades religiosas, sociais, ecológicas, de cidadania ou de protesto. Ela se reconstrói novamente a partir de suas bases, dos grupos que seguem o Mestre. Nunca se leu e meditou tanto o Evangelho como agora. Os estudiosos da Bíblia buscam saber de Jesus, de sua pessoa, de seu projeto, seu ambiente de vida e de seus seguidores. A universidade do Reino supera o individualismo e o subjetivismo e faz com que as comunidades e grupos organizem encontros em todos os níveis possíveis. Os membros das comunidades e dos grupos de reflexão se libertam de uma vida de sujeição à sociedade de consumo. Eles realizam uma grande variedade de atividades a partir da reflexão da Palavra de Deus e também dentro da sociedade sabem vivenciar os valores de sua fé.
Um símbolo de unidade e de união na diversidade é que falta a todos os demais grupos religiosos. O Papa continua querido e é recebido por multidões porque essas pessoas não querem ser como areia na praia, levadas pelos ventos dos tempos; almejam alguém que as une e inspira.
A resistência contra o atual papado não se opõe a esses valores, mas aos vícios do poder sobre as pessoas e sobre as suas consciências. Essa estrutura monárquica e de origem rural, para os tempos modernos, obstrui e obscurece a função espiritual da Igreja e de sua missão evangélica. Os tempos atuais aspiram diálogo, participação, individualidade e respeito pela personalidade.
Os tempos são bonitos para os cristãos que conseguem acompanhar as rápidas mudanças da sociedade. Devemos apostar na direção em que o Povo de Deus busca se desenvolver. As estruturas menos evangélicas dentro da Igreja vão durar muito tempo ainda, porque atrás delas está uma longa tradição com muito poder e aglomera-se um número imenso de pessoas crentes que assim procuram escapar da fragmentação desta sociedade em que tem de viver diariamente.
Cananéia, 2 de Fevereiro de 1995 Pe. João Trinta
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